FICHAMENTO


RECURSOS E ESTRATÉGIAS EM SAÚDE: SABERES E PRÁTICAS DE MULHERES DOS SEGMENTOS POPULARES


INTRODUÇÃO


RECURSOS POPULARES NO CAMPO DA SAÚDE-DOENÇA
A análise dos dados empíricos colhidos junto às mulheres que participaram deste estudo, permitiu-nos identificar que, na satisfação das suas necessidades no campo da saúde-doença bem como das de sua família, elas se utilizam de um conjunto variado de recursos e estratégias em saúde. Tais recursos incluem, além da utilização de serviços de saúde públicos e privados, o uso de medidas "populares" como a medicina caseira, as práticas médico-religiosas, a auto-medicação, a consulta ao "farmacêutico" e a busca de orientação junto a agentes locais de saúde.
A auto-medicação e a orientação junto a "farmacêuticos"
Outros recursos utilizados pelas mulheres entrevistadas são a auto-medicação e a busca de orientação junto aos "farmacêuticos" (no geral, vendedores ou donos das farmácias). Apesar de algumas delas se referirem ao risco da auto-medicação e uso da "receita de farmácia" sem uma prévia avaliação e indicação de tratamento médico, todas realizam essa prática em um ou outro momento.
A auto-medicação é favorecida pelos conhecimentos adquiridos em situações anteriores ou sob a influência da propaganda, influenciada pela medicalização em saúde. O uso deste recurso, como os demais apresentados, também se revela alternativo a situações em que os serviços não correspondem às necessidades e demandas das entrevistadas. Um contato mais próximo com os vendedores das farmácias, em geral pessoas que vivem na comunidade, tornam mais rápido o acesso a "respostas" requeridas.
QUEIROZ (1991) menciona o prestígio tradicionalmente conferido pelos grupos populares ao "farmacêutico", especialmente em função de uma certa proximidade de elementos culturais entre eles, que acaba por favorecer a sua procura.
Além disso, identifica-se que a população busca uma resposta mais rápida e imediata para seus problemas de saúde, coerentemente com a visão normativa de recomposição imediata de seus corpos para o trabalho (BOLTANSKI, 1989), em que o uso de remédios alopáticos é percebido como mais apropriado.
O complexo médico-industrial, especialmente através da propaganda, estimula constantemente a prática da auto-medicação, indicando remédios a partir da apresentação de seus resultados "milagrosos" e a própria prática nos serviços de saúde não se furta a estimular o uso de medicamentos, pois geralmente o sujeito que procura os serviços de saúde deles não sai sem uma receita médica.
Contudo, o crédito dado ao uso de medicamentos farmacêuticos não ocorre sem conflitos. A medicação farmacêutica requisitada e utilizada pelas mulheres entrevistadas é também recusada em certos momentos, atribuindo-se a ela efeitos danosos sobre o corpo. A lógica do consumo, que está por detrás da indicação de medicamentos, consumo este estimulado pelas próprias farmácias que não se negam a "medicar", também é, em certos momentos, percebida e confrontada.
Por outro lado, a insatisfação manifesta com os serviços de saúde, sobretudo os da rede pública, funciona igualmente como um estímulo à prática da auto-medicação e busca de "tratamento" junto ao farmacêutico ou balconista. Sabe-se que a prática médica "oficial", apesar de se considerar a única com competência para avaliar e medicar, freqüentemente se recusa a dar atenção ao que considera problema "insignificante" (os que não se enquadram dentro de suas classificações). Esta postura acaba por forçar a população e, especificamente, as mulheres que participaram deste estudo a irem atrás de outros recursos (auto-medicação e consulta ao "farmacêutico"), buscando resolver problemas "mais" conhecidos ou para os quais não tiveram espaço nos serviços.
Os agentes de saúde como recurso
Recorrer a profissionais locais de saúde, que residem no próprio bairro, e a pessoas consideradas mais experientes (agentes de saúde), também faz parte das estratégias utilizadas pelas mulheres em foco. Os agentes de saúde que residem no bairro (neste estudo, pessoas com preparo junto ao campo médico "oficial" e pessoas consideradas amigas e mais preparadas) são vistos por elas como uma das alternativas de atenção à saúde.
Segundo seus depoimentos, as trocas, nesse campo, no geral, são favorecidas pela amizade, pelo compartilhamento dos mesmos códigos e problemas comunitários. As dificuldades de comunicação que vivenciam no contato com os serviços, especialmente com relação ao profissional médico, são em parte superadas junto a esses agentes.
A vida compartilhada e, ao mesmo tempo, a experiência dos agentes de saúde junto à prática médica "oficial" parecem oferecer os elementos necessários ao crédito que neles depositam. As falas apresentadas revelam a valorização que dão àqueles que vivem uma vida semelhante as suas e que, ao mesmo tempo, possuem conhecimentos legitimados socialmente.
Ao que nos parece, a procura desses agentes para resoluções de problemas em saúde, em alguma medida, expressa a possibilidade que as mulheres encontram de unirem dois aspectos relativos à atenção médica que valorizam, a proximidade/acolhimento e o acesso ao conhecimento "científico".
Talvez isto justifique a penetração que agentes locais de saúde têm junto a grupos populares. Não que isso ocorra sem conflito, tanto que, em determinados momentos, algumas das mulheres que recorrem a esses agentes referem, nas entrevistas, uma certa percepção de que eles se "sentem superiores" e, ao contrário, entrevistadas que são também agentes de saúde, por vezes falam da sua comunidade como "a população", como se dela não fizessem parte.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatamos que as mulheres deste estudo, como consumidoras ou como agentes de saúde, utilizam-se de uma série de conhecimentos e estratégias na manutenção e recuperação da própria saúde, da de sua família e grupo de convivência, entre os quais se incluem medidas tradicionalmente utilizadas por grupos populares.
Não possuem um saber coerente e organizado ou respostas para as variadas situações de saúde-doença, mas têm conhecimentos próprios e significativos, que lhes permitem enfrentar problemas nesse campo. O modo particular com que concebem os problemas em saúde e a cura, assim como os recursos a que têm ou não acesso, levam-nas a recorrer e a justificar a importância dos variados processos de que se utilizam.
Como produtoras ou consumidoras de atenção à saúde revelam não só adesão aos conhecimentos e práticas do campo médico, mas também resistência a eles, particularmente através da valorização e utilização de medidas "populares".
Enquanto os serviços de saúde as ignoram em sua condição de agentes, com saberes e experiências próprias, elas tecem, em seu cotidiano, um conjunto de teorias e interferências frente à globalidade de suas vidas, contrapondo-se não só à visão parcelar da medicina "oficial", mas também à sua suposta legitimidade como meio de preservação e recuperação da saúde. Se, por um lado, a medicina legitimou-se como prática científica/oficial, com autoridade e monopólio para definir/normatizar acerca da saúde-doença-cura, e, inclusive, enquadrou as práticas em saúde das camadas populares como não científicas/populares, apontando-as como não legítimas, por outro, essas práticas continuam bem vivas junto a esses grupos, num convívio mútuo com a chamada medicina "oficial".




Aluna: Isadora Viana Costa


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ALUNA: Isadora Viana Costa

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